29.12.09

Você poderia ter me dito tudo

Você poderia ter dito sobre os riscos do Efeito Estufa para as novas gerações.
Do novo namorado daquela atriz da novela.
Das novas contratações futebolísticas.
Do perfil dos ministros na Tailândia .
Da constante inconstância do tempo.
Das críticas sobre o último filme do Almodóvar.
O que você faria se ganhasse na Mega-Sena acumulada.
Sobre a descrença dos jovens na Igreja Católica.
Quem sabe até sobre a saudade de sentar-se bem debaixo de um pé de jabuticabas?
Você poderia ter me dito sacanagens ao pé do ouvido. Meias verdades. Juras de fidelidade. Pedido de casamento e até que me odeia ou, quem sabe, que jamais seremos pares, para sempre ímpares!
Você poderia ter me dito tudo, menos, eu te amo!

24.12.09

Para: Noel


Oi Noel!
Ao longo desse ano recorri a Santo Antônio, Maria Madalena e até a própria Vida para tentar compreender algumas coisinhas que andam acontecendo a minha volta. No entanto, ainda faltam respostas e por isso lhe escrevo.
Ainda não nos conhecemos, não lhe enviei cartas quando pequena, tão pouco, coloquei meus sapatos na janela esperando, com isso, sua visita. Me chamo Lourdes e me chamam de Lurdinha, tenho 34 anos, ainda não casei mas já me separei várias vezes, divido um apartamento com um amigo na qual nunca trepamos (mesmo termos revelado atração mútua no último jogo da verdade), mudo de opinião como troco de roupas, o sentimento que me define é a insatisfação e tenho pra mim que você nunca me responderá, pois nunca botei muita fé em você e nessa sua história de bom velhinho. Juro de pés juntos que você é uma farsa, mas tudo bem, deixemos isso pra depois.
Primeiramente gostaria de saber qual sua relação como o Coelhinho da Páscoa? E não venha me dizer que ele não existe e que é apenas mais um ícone criado pela indústria de marketing para fomentar o consumo e as vendas. Quero realmente saber que tipo de relação vocês têm e quem é o chefão do esquema? Até consigo ver os dois comendo moelas frita, tomando cerveja latão e rindo das nossas caras, afinal, fazer caridade com dia e hora marcada é fácil.
Eu nunca pensei que todo mundo fosse filho de papai Noel. Se você honrasse as calças que usa não deixaria sonhos de vida se transformarem em estratégias de sobrevivência. Mas vamos lá... estou te escrevendo porque tenho alguns pedidos a fazer, nada demais pro dono da fábrica de sonhos. Observação: enumerei para que você não se perca, ok?
1 – Quero acordar nos feriados com música escrita pelo Marcelo Camelo e cantada pela Roberta Sá.
2 – Quero gentileza no ar e não falo de abrir porta ou puxar cadeira e sim de olhares e sentimentos gentis.
3 – Quero uma coberta bem grande para abrasar o frio daqueles que não tem onde se recostar.
4 – Quero brincar de Stop nos sábados a tarde com meus amigos de ontem e de hoje.
5 – Quero rodízio de pizza com refrigerante liberado na África.
6 – Quero abraços fortes, sinceros e demorados 12 vezes por dia ou sempre que necessário.
7 – Quero repostas
8 – Quero um amor pra chamar de meu...que não grite, que me olhe com olhos de admiração, que me rode no ar, faça amor de manhã, que divida a garrafinha de Yakult comigo, que deixe eu dar a primeira mordida no churros dele, que não espie meu celular e que esteja disposto a reiventar o amor todos os dias. Observação: esse não precisa embalar pra presente.
9 – Quero mentiras verdadeiras.
10 - Quero também... banheiro sem fila, dentista sem dor, maconha sem fome, morango com chocolate, domingo de sol e que você se redima e deixe essa máscara cair, tire essa roupa ridícula e desnecessária, entre pela porta e jante conosco na noite de Natal.

7.12.09

De cara com a Vida

Wando era daqueles que comia mortadela frita com batida de banana e dificilmente pensava na Vida. Até que um dia, entre um copo e outro de cachaça, puxou uma cadeira pra ela. Resolveu naquele momento colocar as cartas na mesa. Como nunca foi muito fã do Sagrado Coração de Jesus, evitou intermediários e teve dois dedos de prosa com a própria.
- Eu sou Wando Gilberto Marfim, moro logo ali depois da curva e trabalho depois da descida da marginal, à esquerda.
- Eu sei, Wando. Foi eu quem lhe criou.
-Você tem orgulho disso?
-Posso dizer que sim. Há um tempo estava meio em crise com minhas criações, aí me reuni com o Secretário Geral e Porta-voz oficial de Deus e alinhamos algumas coisas pra facilitar o processo, sabe?
- Tipo o que?
- Muitas coisas, mas vou tentar ser objetiva. Pessoas românticas, por exemplo, desde que criei a Cinderela fiz vários lotes de românticos, com isso tive que criar os filmes, as novelas, as revistas de celebridades e sem falar na Torre Eiffel. A Cinderela, certamente, foi uma das minhas maiores burradas. Os românticos, em determinados momentos, atrapalham o bom andamentos das coisas, eles esquecem de serem práticos.
- Mas por que criaste o amor, então?
- Wando não confunda oras com bolas. Amor é diferente de romantismo. Tão pouco entrarei nesse assunto para não me estender.
- Tá, e o que mais o que foi decidido?
- Tivemos uma grande discussão quando o enviado Dele exigiu que parasse de criar pessoas sexista. Fiquei puta da cara! Como assim? Deu um trabalhão inventar o Freud e todas aquelas teorias e de uma hora pra outra teria que acabar com o sexo e suas conseqüências, que isso! Depois de muitas farpas ficou determinado que, para o próximo ano, sairá um lote grande de pessoas dispostas e desprovidas de qualquer preconceito e romantismo, adepta ao sexo pelo sexo.
- Mais isso já acontece, olhe ali na esquina.
- Não falo de negócios sexuais e sim de pessoas adultas que se encontram, por exemplo, na rua e dizem uma pra outra: gostei de você! Vamos transar?
- Meu Deus!
- Não diga isso, Wando. Quando te fiz o objetivo era que fosses ateu. E agora deu pra colocar o nome desse Cara nas conversas, que mania mais humana. Será que isso é defeito em umas das minhas máquinas? Vou anotar e passar pra assistência técnica.
- Sabes que não sou muito acostumado a pensar em você. Acho um saco quando lá no trabalho vou fumar e encontro alguém que diz: estava aqui pensando na Vida. Não tem como desfazer essa ligação megalomaníaca?
- Claro que não, Wando! Vocês dependem de mim, sou fotossíntese na veia.
- Esse negócio de dependência é desnecessário, Vida. Gerou vinculações em demasia. Quer ver? Dependemos de você, de Deus, do amor, de comida, de sexo bom, de dinheiro, de praia lotada e com Sol, de aplauso, de cafuné, de olhos nos olhos...
- Eu sei, já chega! Fiz um curso semana passada e comecei a estudar uma nova metodologia que seja capaz de desvincular um pouco as coisas. Quando produzi a dependência estava de caso, com o coração preenchido e acabei projetando isso em volta.
- Mais me diz... você vem sempre aqui?
- Pra ser sincera, Wando, esse não é o tipo de lugar que tenho predileção. Mas o dono do bar decidiu “dar um pouco de Vida ao ambiente”, como vocês adoram dizer. Aí já viu, né? Tenho que ficar por aqui até tudo andar sozinho. Falando nisso vou nessa. O dever me chama. Bom falar contigo.
- Ok, Vida! Vou tomar a saideira e já vou também. Vamos marcar de beber umas juntos, ou um forrózinho quem sabe?
- Iria adorar, Wando. Ando precisando relaxar um pouco, cuidar mais da minha Vida.