22.12.10

O protetor e a protegida


Estavam os dois lá, numa disputa de asas para saber quem ficaria com a guarda da Catarina. Anjo Ezequiel receberá uma missão invejável e irrecusável e partiu lamentando-se por não mais zelar a vida da senhorita. Mas antes de assumir a nova missão, teria outra que lhe valeria uma auréola: escolher um substituto a altura da protegida.
Anjo Gabriel foi para final sem etapas eliminatórias, nem mesmo testes psicotécnicos. A fama de bom anjo, aliado aos seus milhões de seguidores, o levaram a concorrer com anjo Rafael; novato no mundinho angelical, mas já conhecido como azarão da vez.
Arcanjo Miguel, antes de sair de férias, ficou responsável por ajudar Ezequiel na escolha, criando as tarefas que determinariam o vencedor.  E assim seria: dia após dia durante todo mês de dezembro Gabriel e Rafael usariam todas as suas armas para poder ficar ao lado de Catarina.
Ela, honrando seus 28 anos de trabalho duro como faxineira na Clínica Geriátrica Caminho da Luz, nem se deu conta da guerra santa que se formará lá em cima.
Morava sozinha numa casa de dois pisos, ladeada por duas janelas grandes, um sofá vermelho e um cachorro branco. Gostava de assistir televisão com as luzes apagadas e sempre antes de dormir ficava na sacadinha do quarto intercalando o olhar ora pra cima, ora pra baixo. O silêncio era quebrado pelo latido do cão branco e, as vezes, pelo apito da tostadeira de pães.
Ela não reclamava. A mão grande rachada por cloro era viciada nos cabelos curtos quase todo cinza. O único parente vivo era um irmão que morava longe mais viria para o almoço de Natal. Nada de amores, casamentos, filhos, batons, ou divagações.
Anjo Gabriel, na verdade, queria a guarda de Catarina, porque ouvira pelos corredores que a tal era muito bem vista pelos poderosos lá de cima e que também não lhe restavam muito anos de vida, o que lhe facilitaria o trabalho. E com mais essa no currículo ele estaria a poucos passos de realizar seu sonho e virar decoração para quarto de criança.
Os primeiro três dias de tarefas foram designados a Gabriel. Logo no primeiro o anjo pop star se estafou. Catarina chegou dez minutos mais cedo ao trabalho, cumprimentou a todos, cantarolou alguma canção dos Secos e Molhados e antes de iniciar a lavação dos banheiros, vestiu uma toquinha de papai Noel. Anjo Gabriel se recusou a entrar nos lavabos. Esperou pelo lado de fora. Tentou fazer palavras cruzadas com os velhinhos, derrubou dominós com sopro e até tentou cochilar. Catarina terminou o primeiro turno pontualmente às 12h e voltaria às 17h para mais uma jornada. Nesse meio tempo torradas, passeio pelo parque com o cão branco, uma passada no açougue, talvez um filme, talvez aparar as unhas do pé ou quem sabe lavar umas peças de roupas.
Na terceira noite, anjo Gabriel, jogado no sofá, atônito, não entendia de onde vinha todo aquele conformismo. Não passava por sua auréola o fato de uma mulher com 57 anos de idade, naquela situação parecer feliz, se sentir uma pessoa de sorte e a ele nada pedir.
No primeiro dia com anjo Rafael, Catarina, por onde passava na Clínica avistava confraternizações natalinas. Eram as garotas do escritório fazendo amigo-secreto, as enfermeiras do terceiro andar trocando bombons, familiares visitando os internos e ela ali. A cada nova cena, escorava em sua vassoura, dava um toque na sua touca de papai Noel bem no alto da cabeça e seguia. Quando avistava um ou outro interno afundado na sua solidão e sem ninguém pra ajeitar seus travesseiros, entrava quarto adentro, jogava meia dúzia de palavras, sacava um punhado de balas de goma do jaleco e seguia com seu balde escorado no antebraço, mas não sem antes alinhar os travesseiros.
Anjo Rafael, logo no final do segundo dia, se retirou e abdicou da vaga. Anjo Gabriel logo espalhou pelos quatro cantos que o novato se borrou todo.
Numa conversa com seu melhor amigo, Querubim Felipe, anjo Rafael confessou que Catarina não precisava de anjo de guarda. Querubim Felipe não entendeu a afirmação. E explicando-se ele disse:
Catarina, meu amigo, não é nem de perto santa. Vira e mexa solta um palavrão, tranca o cão branco na cozinha pra poder se masturbar em paz no sofá vermelho, “empresta” rolos de papel higiênico da Clínica para uso próprio; no entanto, ela aceita e acredita na vida que tem. Não que ela nunca tenha tentado nada diferente. Arriscou, sim. Vez que outra ainda vai a matine do forró, prestou alguns concursos públicos e até quase noivou. Mas não luta contra o que tem, tão pouco, vive no que gostaria de ter.  Arcanjo Miguel encostado na porta, escutou a explicação de Rafael ao amigo e se intrometendo na conversa disse:
- As vezes, o pessoal lá de baixo não precisa de anjos. Em alguns momentos eles estão infiltrados no meio deles, são anjos...diferentes, mas reais.
Querubim Felipe, confuso, indagou ao arcanjo o porquê então do anjo Gabriel ficar com a guarda da Catarina.
Respondendo ele disse:
- Muitas vezes entres os anjos daqui também tem o pessoal lá de baixo. Além disso, fico feliz em saber que anjo Gabriel terá muitos travesseiros para ajeitar.

18.11.10

A Roda


Rosária deu pulos de alegrias quando realmente descobriu o que seria aquela armação de ferros sendo erguidos bem na altura da sua janela. Por dias quebrara a cabeça tentando adivinhar e arriscara de tudo: escultura ultra – pós –moderna, ponte aerodinâmica e pensou também em um super elevador panorâmico. Até que um dia, domingo de manhã para ser mais exato, ao desgrudar as cortinas de gorgorão amarelinho palha, lá estava ela, girando.
A possibilidade de ter uma roda-gigante como pano de fundo da sua janela e bem na altura dos seus olhos encheu o coração da menina moça de esperança e até de alegria. Desde que usava fita de cetim no cabelo que as cabines giratórias a encantavam. Uma vez, depois da missa, havia na cidade um desses parques itinerantes e ela quase deu uma volta, mas a mãe tinha que correr pra esquentar a janta do pai e ela se foi, arrastada pelo braço.
Anos depois, ela tinha, praticamente, uma roda-gigante particular. Cada volta avistada equivalia a uma celebração, a uma grande salva de palmas a felicidade!
Sábado à noite, depois da novela, debruçada sobre a janela, Rosária, tentou contar quantas cabines compunham a belezura. Até escureceu a sala para poder degustar a roda da alegria iluminada. Ficara ali por horas fitando as longas filas que se formavam.
Viu, desde lá da bilheteria, um casal de jovens. Ele não deveria ter mais de 22 anos e ela se passou dos 18 foi muito. Ele usava camisa com listras por dentro da calça e ela um bolero de crochê violeta que não foi capaz de distrair o riso nervoso. Talvez porque aquele fosse o primeiro encontro, talvez porque ela tivesse medo de altura ou talvez porque ela optou por crochê ao invés de lã.
Viu também duas mulheres bem altas, com cabelos amarados e brincos gigantes de argola. Elas desceram a rampa de saída correndo e sorrindo largo. Talvez fossem mãe e filha num momento só delas, talvez fossem primas vindas do interior em férias do magistério ou talvez duas namoradas comemorando a comunhão.
Voltas e voltas e Rosária tentava ver se o rapaz de camisas com listras segurava a mão da garota de bolero quando lá no pico o vento inclinava a cabine pra trás. Tentava ver também os desenhos que as crianças faziam com o vapor solto das bocas nos vidros, supostamente, cheio de manchas de dedos.
Até viu um senhor, com 50 anos passado, tentando fotografar lá no altão talvez os filhos, talvez os netos, talvez os afilhados ou quem sabe um grupo de garotos de rua. Rosária viu por várias vezes o flash da máquina se misturando com o ar.
Naquela noite, ela não dormiu.
Por dias as cortinas permaneceram fechadas.
Aquela mesma roda, gigante, iluminada, vista da janela, na altura dos olhos, que trouxera tanta esperança estava rodando no sentindo contrário e cada contravolta enaltecia o abismo existente entre a vida que Rosária tinha e a que desejava ter.
Numa segunda feira, depois do almoço, ela não voltou para creche onde trabalhava desde que se formara. No caminho de volta pra casa tinha sempre a roda, toda grande. Espantou-se quando não precisou desviar das filas. Fazia um ventinho de chuva e a moça da bilheteria lia Morangos Mofados do Caio. Rosária ensaiou encarar, mas lembrou que não havia o que celebrar, tão pouco, aplaudir. Tentou mais uma vez e até fitou a moça que dobrara a ponta da página do livro. No entanto, ela não conseguiu pedir um ingresso avulso. A moça voltou a ler.
Rosária correu pra casa. Sacou a caixa de pregos do guarda- roupas e com marteladas profundas lacrou as cortinas, clarinhas, na janela de madeira.
Naquela noite, ela não dormiu!

15.9.10

A ponte de dúvidas

Duvidar? Sempre duvidei. E era nesse cepticismo que constantemente planejava tudo, cada passo, cada emoção.
Contudo, sabia que apareceria. Um dia. Poderia ser à noitinha ou de manhã bem cedo. De baixo de chuva ou de suor. O caminho permanecia sinuoso. No entanto, me coloquei bem no centro. No final da descida.
São João Batista, lá de cima, deve se torcer de rir das exigências: um pouco disso, bastante daquilo, nem tanto disto e... eu, sempre aqui, com um belo punhado de dúvidas perdidas no emaranhado de incertezas da real possibilidade da existência de alguém como...você!
Duvidei do seu cheiro cítrico, da sua idade cronológica, do seu gosto por películas mexicanas, do seu sotaque campeiro, da sua intensidade desmedida e até mesmo da sua puerilidade de dizer-me que se perdera no caminho de volta pra casa.
De certezas, eu e você separados por uma ponte de madeiras velha,  minha vontade indômita de te beijar mais uma vez e o desejo de te procurar querendo não te achar. Já que atravessar  essa ponte seria muito mais que lutar pelo equilíbrio de me manter em pé. Seria deixar o delineado, esquecer as apostas, abandonar um mito, cansar de ser e estar só, trair a minha solidão  e se deleitar com a possibilidade de ter ao meu lado e de mãos dadas.  Atravessar essa ponte seria se beneficiar da dúvida.
Arrumei minhas malas e fui. Preferi não avisar. Surpresa, sabe? Só quando me assenti notei que a ponte havia caído. Na dúvida, voltei. 

3.7.10

Brigadeiro, o bom da festa

Aniversário sem brigadeiro não vale, então, a mostra fotográfica Horizontes do Bem faz seu papel e traz as esculturas de Gustav Vigeland (1869 - 1943), expostas no Vigeland Park, em Oslo, Noruega. Para se lambuzar!
Fotos por Paulo Rogério




28.6.10

Mais uma fatia de bolo

Mais uma fatia de bolo, do nosso bolo de aniversário!
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Amor cristão

Amor é a mordida de um cachorro pitbull que levou a coxa da Laurinha e a bochecha do Felipe. Amor que não larga. Na raça. Amor que pesa uma tonelada. Amor que deixa. Como todo grande amor. A sua marca.
Amor é o tiro que deram no peito do filho da dona Madalena. E o peito do menino ficou parecendo uma flor. Até a polícia chegar e levar tudo embora. Demorou. Amor que mata. Amor que não tem pena.

Amor é você esconder a arma em um buquê de rosas. E oferecer ao primeiro que aparecer. De carro importado. De vidro fumê. Nada de beijo. Amor é dar um tiro no ente querido se ele tentar correr.
Amor é o bife acebolado que a minha mulher fez para aquele pentelho comer. Filhinho de papai. Lá no cativeiro. Por mim ele morria seco. Mas sabe como é. Coração de mãe não gosta de ver ninguém sofrer.

Amor é o que passa na televisão. Bomba no Iraque. Discussão de reconstrução. Pois é. Só o amor constrói. Edifícios. Condomínios fechados. E bancos. O amor invade. O amor é também o nosso plano de ocupação.
Amor que liberta. Meu irmão. Amor que sobe. Desce o morro. Amor que toma a praça. Amor que de repente nos assalta. Sem explicação. Amor salvador. Cristo mesmo quem nos ensinou. Se não houver sangue. Meu filho. Não é amor.

(Extraído do livro “RASIF – Mar que Arrebenta”, de MARCELINO FREIRE, Editora Record, 2008)
P.S. Indicação de leitura: Felipe Marçal

9.6.10

Bolo de aniversário Clube do Bem

O blog Clube do Bem esta completando um ano de vida. E até o dia 30 de junho estaremos comemorando a certeza de que ser aquilo que se é, revela-se o único caminho de sermos felizes, ou um pouquinho menos infeliz.
A festa de aniversário terá bolo (Contos de Caio Fernando Abreu e Marcelino Freire), brigadeiros (Mostra fotográfica Horizontes do Bem) e cachorro-quente com suco de groselha (Textos enviados pelos sócios de carteirinha do Clube). Puxe sua cadeira e festeje com a gente!
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Bolo de aniversário

Aqueles Dois _ Caio Fernando Abreu

A verdade é que não havia mais ninguém em volta. Meses depois, não no começo, um deles diria que a repartição era como "um deserto de almas". O outro concordou sorrindo, orgulhoso, sabendo-se excluído. E longamente, entre cervejas, trocaram então ácidos comentários sobre as mulheres mal-amadas e vorazes, os papos de futebol, amigo secreto, lista de presente, bookmaker, bicho, endereço de cartomante, clips no relógio de ponto, vezenquando salgadinhos no fim do expediente, champanha nacional em copo de plástico. Num deserto de almas também desertas, uma alma especial reconhece de imediato a outra — talvez por isso, quem sabe? Mas nenhum se perguntou.

Não chegaram a usar palavras como "especial", "diferente" ou qualquer coisa assim. Apesar de, sem efusões, terem se reconhecido no primeiro segundo do primeiro minuto. Acontece porém que não tinham preparo algum para dar nome às emoções, nem mesmo para tentar entendê-las. Não que fossem muito jovens, incultos demais ou mesmo um pouco burros. Raul tinha um ano mais que trinta; Saul, um menos. Mas as diferenças entre eles não se limitavam a esse tempo, a essas letras. Raul vinha de um casamento fracassado, três anos e nenhum filho. Saul, de um noivado tão interminável que terminara um dia, e um curso frustrado de Arquitetura. Talvez por isso, desenhava. Só rostos, com enormes olhos sem íris nem pupilas. Raul ouvia música e, às vezes, de porre, pegava o violão e cantava, principalmente velhos boleros em espanhol. E cinema, os dois gostavam.

Passaram no mesmo concurso para a mesma firma, mas não se encontraram durante os testes. Foram apresentados no primeiro dia de trabalho de cada um. Disseram prazer, Raul, prazer, Saul, depois como é mesmo o seu nome? sorrindo divertidos da coincidência. Mas discretos, porque eram novos na firma e a gente, afinal, nunca sabe onde está pisando. Tentaram afastar-se quase imediatamente, deliberando limitarem-se a um cotidiano oi, tudo bem ou, no máximo, às sextas, um cordial bom fim de semana, então. Mas desde o princípio alguma coisa — fados, astros, sinas, quem saberá? conspirava contra (ou a favor, por que não?) aqueles dois.

Suas mesas ficavam lado a lado. Nove horas diárias, com intervalo de uma para o almoço. E perdidos no meio daquilo que Raul (ou teria sido Saul?) chamaria, meses depois, exatamente de "um deserto de almas", para não sentirem tanto frio, tanta sede, ou simplesmente por serem humanos, sem querer justificá-los — ou, ao contrário, justificando-os plena e profundamente, enfim: que mais restava àqueles dois senão, pouco a pouco, se aproximarem, se conhecerem, se misturarem? Pois foi o que aconteceu. Tão lentamente que mal perceberam.

II

Eram dois moços sozinhos. Raul tinha vindo do norte, Saul tinha vindo do sul. Naquela cidade, todos vinham do norte, do sul, do centro, do leste — e com isso quero dizer que esse detalhe não os tornaria especialmente diferentes. Mas no deserto em volta, todos os outros tinham referenciais, uma mulher, um tio, uma mãe, um amante. Eles não tinham ninguém naquela cidade — de certa forma, também em nenhuma outra —, a não ser a si próprios. Diria também que não tinham nada, mas não seria inteiramente verdadeiro.

Além do violão, Raul tinha um telefone alugado, um toca-discos com rádio e um sabiá na gaiola, chamado Carlos Gardel. Saul, uma televisão colorida com imagem fantasma, cadernos de desenho, vidros de tinta nanquim e um livro com reproduções de Van Gogh. Na parede do quarto de pensão, uma outra reprodução de Van Gogh: aquele quarto com a cadeira de palhinha parecendo torta, a cama estreita, as tábuas do assoalho, colocado na parede em frente à cama. Deitado, Saul tinha às vezes a impressão de que o quadro era um espelho refletindo, quase fotograficamente, o próprio quarto, ausente apenas ele mesmo. Quase sempre, era nessas ocasiões que desenhava.

Eram dois moços bonitos também, todos achavam. As mulheres da repartição, casadas, solteiras, ficaram nervosas quando eles surgiram, tão altos e altivos, comentou, olhos arregalados, uma das secretárias. Ao contrário dos outros homens, alguns até mais jovens, nenhum tinha barriga ou aquela postura desalentada de quem carimba ou datilografa papéis oito horas por dia.

Moreno de barba forte azulando o rosto, Raul era um pouco mais definido, com sua voz de baixo profundo, tão adequada aos boleros amargos que gostava de cantar. Tinham a mesma altura, o mesmo porte, mas Saul parecia um pouco menor, mais frágil, talvez pelos cabelos claros, cheios de caracóis miúdos, olhos assustadiços, azul desmaiado. Eram bonitos juntos, diziam as moças. Um doce de olhar. Sem terem exatamente consciência disso, quando juntos os dois aprumavam ainda mais o porte e, por assim dizer, quase cintilavam, o bonito de dentro de um estimulando o bonito de fora do outro, e vice-versa. Como se houvesse entre aqueles dois, uma estranha e secreta harmonia.

III

Cruzavam-se, silenciosos mas cordiais, junto à garrafa térmica do cafezinho, comentando o tempo ou a chatice do trabalho, depois voltavam às suas mesas. Muito de vez em quando, um pedia um cigarro ao outro, e quase sempre trocavam frases como tanta vontade de parar, mas nunca tentei, ou já tentei tanto, agora desisti. Durou tempo, aquilo. E teria durado muito mais, porque serem assim fechados, quase remotos, era um jeito que traziam de longe. Do norte, do sul.

Até um dia em que Saul chegou atrasado e, respondendo a um vago que que houve, contou que tinha ficado até tarde assistindo a um velho filme na televisão. Por educação, ou cumprindo um ritual, ou apenas para que o outro não se sentisse mal chegando quase às onze, apressado, barba por fazer, Raul deteve os dedos sobre o teclado da máquina e perguntoü: que filme? Infâmia, Saul contou baixo, Audrey Hepburn, Shirley MacLayne, um filme muito antigo, ninguém conhece. Raul olhou-o devagar, e mais atento, como ninguém conhece? eu conheço e gosto muito. Abalado, convidou Saul para um café e, no que restava daquela manhã muito fria de junho, o prédio feio mais que nunca parecendo uma prisão ou uma clínica psiquiátrica, falaram sem parar sobre o filme.

Outros filmes viriam, nos dias seguintes, e tão naturalmente como se de alguma forma fosse inevitável, também vieram histórias pessoais, passados, alguns sonhos, pequenas esperança e sobretudo queixas. Daquela firma, daquela vida, daquele nó, confessaram uma tarde cinza de sexta, apertado no fundo do peito. Durante aquele fim de semana obscuramente desejaram, pela primeira vez, um em sua quitinete, outro na pensão, que o sábado e o domingo caminhassem depressa para dobrar a curva da meia-noite e novamente desaguar na manhã de segunda-feira quando, outra vez, se encontrariam para: um café. Assim foi, e contaram um que tinha bebido além da conta, outro que dormira quase o tempo todo. De muitas coisas falaram aqueles dois nessa manhã, menos da falta que sequer sabiam claramente ter sentido.

Atentas, as moças em volta providenciavam esticadas aos bares depois do expediente, gafieiras, discotecas, festinhas na casa de uma, na casa de outra. A princípio esquivos, acabaram cedendo, mas quase sempre enfiavam-se pelos cantos e sacadas para contar suas histórias intermináveis. Uma noite, Raul pegou o violão e cantou Tú Me Acostumbraste. Nessa mesma festa, Saul bebeu demais e vomitou no banheiro. No caminho até os táxis separados, Raul falou pela primeira vez no casamento desfeito. Passo incerto, Saul contou do noivado antigo. E concordaram, bêbados, que estavam ambos cansados de todas as mulheres do mundo, suas tramas complicadas, suas exigências mesquinhas. Que gostavam de estar assim, agora, sós, donos de suas próprias vidas. Embora, isso não disseram, não soubessem o que fazer com elas.

Dia seguinte, de ressaca, Saul não foi trabalhar nem telefonou. Inquieto, Raul vagou o dia inteiro pelos corredores subitamente desertos, gelados, cantando baixinho Tú Me Acostumbraste, entre inúmeros cafés e meio maço de cigarros a mais que o habitual.

IV

Os fins de semana tornaram-se tão longos que um dia, no meio de um papo qualquer, Raul deu a Saul o número de seu telefone, alguma coisa que você precisar, se ficar doente, a gente nunca sabe. Domingo depois do almoço, Saul telefonou só para saber o que o outro estava fazendo, e visitou-o, e jantaram juntos a comidinha mineira que a empregada deixara pronta sábado. Foi dessa vez que, ácidos e unidos, falaram no tal deserto, nas tais almas. Há quase seis meses se conheciam. Saul deu-se bem com Carlos Gardel, que ensaiou um canto tímido ao cair da noite. Mas quem cantou foi Raul: Perfídia, La Barca e, a pedido de Saul, outra vez, duas vezes, Tú Me Acostumbraste. Saul gostava principalmente daquele pedacinho assim sutil llegaste a mí como una tentación llenando de inquietud mi corazón. Jogaram algumas partidas de buraco e, por volta das nove, Saul se foi.

Na segunda, não trocaram uma palavra sobre o dia anterior. Mas falaram mais que nunca, e muitas vezes foram ao café. As moças em volta espiavam, às vezes cochichando sem que eles percebessem. Nessa semana, pela primeira vez almoçaram juntos na pensão de Saul, que quis subir ao quarto para mostrar os desenhos, visitas proibidas à noite, mas faltavam cinco para as duas e o relógio de ponto era implacável. Saíam e voltavam juntos, desde então, geralmente muito alegres. Pouco tempo depois, com pretexto de assistir a Vagas Estrelas da Ursa na televisão de Saul, Raul entrou escondido na pensão, uma garrafa de conhaque no bolso interno do paletó. Sentados no chão, costas apoiadas na cama estreita, quase não prestaram atenção no filme. Não paravam de falar. Cantarolando Io Che Non Vivo, Raul viu os desenhos, olhando longamente a reprodução de Van Gogh, depois perguntou como Saul conseguia viver naquele quartinho tão pequeno. Parecia sinceramente preocupado. Não é triste? perguntou. Saul sorriu forte: a gente acostuma.

Aos domingos, agora, Saul sempre telefonava. E vinha. Almoçavam ou jantavam, bebiam, fumavam, falavam o tempo todo. Enquanto Raul cantava — vezenquando El Día Que Me Quieras, vezenquando Noche de Ronda —, Saul fazia carinhos lentos na cabecinha de Carlos Gardel, pousado no seu dedo indicador. Às vezes olhavam-se. E sempre sorriam. Uma noite, porque chovia, Saul acabou dormindo no sofá. Dia seguinte, chegaram juntos à repartição, cabelos molhados do chuveiro. As moças não falaram com eles. Os funcionários barrigudos e desalentados trocaram alguns olhares que os dois não saberiam compreender, se percebessem. Mas nada perceberam, nem os olhares nem duas ou três piadas. Quando faltavam dez minutos para as seis, saíram juntos, altos e altivos, para assistir ao último filme de Jane Fonda.

V

Quando começava a primavera, Saul fez aniversário. Porque achava seu amigo muito solitário, ou por outra razão assim, Raul deu a ele a gaiola com Carlos Gardel. No começo do verão, foi a vez de Raul fazer aniversário. E porque estava sem dinheiro, porque seu amigo não tinha nada nas paredes da quitinete, Saul deu a ele a reprodução de Van Gogh. Mas entre esses dois aniversários, aconteceu alguma coisa.

No norte, quando começava dezembro, a mãe de Raul morreu e ele precisou passar uma semana fora. Desorientado, Saul vagava pelos corredores da firma esperando um telefonema que não vinha, tentando em vão concentrar-se nos despachos, processos, protocolos. Á noite, em seu quarto, ligava a televisão gastando tempo em novelas vadias ou desenhando olhos cada vez mais enormes, enquanto acariciava Carlos Gardel. Bebeu bastante, nessa semana. E teve um sonho: caminhava entre as pessoas da repartição, todas de preto, acusadoras. À exceção de Raul, todo de branco, abrindo os braços para ele. Abraçados fortemente, e tão próximos que um podia sentir o cheiro do outro. Acordou pensando mas ele é que devia estar de luto.

Raul voltou sem luto. Numa sexta de tardezinha, telefonou para a repartição pedindo a Saul que fosse vê-lo. A voz de baixo profundo parecia ainda mais baixa, mais profunda. Saul foi. Raul tinha deixado a barba crescer. Estranhamente, ao invés de parecer mais velho ou mais duro, tinha um rosto quase de menino. Beberam muito nessa noite. Raul falou longamente da mãe — eu podia ter sido mais legal com ela, disse, e não cantou. Quando Saul estava indo embora, começou a chorar. Sem saber ao certo o que fazia, Saul estendeu a mão e, quando percebeu, seus dedos tinham tocado a barba crescida de Raul. Sem tempo para compreenderem, abraçaram-se fortemente. E tão próximos que um podia sentir o cheiro do outro: o de Raul, flor murcha, gaveta fechada; o de Saul, colônia de barba, talco. Durou muito tempo. A mão de Saul tocava a barba de Raul, que passava os dedos pelos caracóis miúdos do cabelo do outro. Não diziam nada. No silêncio era possível ouvir uma torneira pingando longe. Tanto tempo durou que, quando Saul levou a mão ao cinzeiro, o cigarro era apenas uma longa cinza que ele esmagou sem compreender.

Afastaram-se, então. Raul disse qualquer coisa como eu não tenho mais ninguém no mundo, e Saul outra coisa qualquer como você tem a mim agora, e para sempre. Usavam palavras grandes — ninguém, mundo, sempre — e apertavam-se as duas mãos ao mesmo tempo, olhando-se nos olhos injetados de fumo e álcool. Embora fosse sexta e não precisassem ir à repartição na manhã seguinte, Saul despediu-se. Caminhou durante horas pelas ruas desertas, cheias apenas de gatos e putas. Em casa; acariciou Carlos Gardel até que os dois dormissem. Mas um pouco antes, sem saber por quê, começou a chorar sentindo-se só e pobre e feio e infeliz e confuso e abandonado e bêbado e triste, triste, triste. Pensou em ligar para Raul, mas não tinha fichas e era muito tarde.

Depois, chegou o Natal, o Ano-Novo que passaram juntos, recusando convites dos colegas de repartição. Raul deu a Saul uma reprodução do Nascimento de Vênus, que ele colocou na parede exatamente onde estivera o quarto de Van Gogh. Saul deu a Raul um disco chamado Os Grandes Sucessos de Dalva de Oliveira. O que mais ouviram foi Nossas Vidas, prestando atenção no pedacinho que dizia até nossos beijos parecem beijos de quem nunca amou.

Foi na noite de trinta e um, aberta a champanhe na quitinete de Raul, que Saul ergueu a taça e brindou à nossa amizade que nunca nunca vai terminar. Beberam até quase cair. Na hora de deitar, trocando a roupa no banheiro, muito bêbado, Saul falou que ia dormir nu. Raul olhou para ele e disse você tem um corpo bonito. Você também, disse Saul, e baixou os olhos. Deitaram ambos nus, um na cama atrás do guarda-roupa, outro no sofá. Quase a noite inteira, um conseguia ver a brasa acesa do cigarro do outro, furando o escuro feito um demônio de olhos incendiados. Pela manhã, Saul foi embora sem se despedir para que Raul não percebesse suas fundas olheiras.

Quando janeiro começou, quase na época de tirarem férias — e tinham planejado, juntos, quem sabe Parati, Ouro Preto, Porto Seguro — ficaram surpresos naquela manhã em que o chefe de seção os chamou, perto do meio-dia. Fazia muito calor. Suarento, o chefe foi direto ao assunto. Tinha recebido algumas cartas anônimas. Recusou-se a mostrá-las. Pálidos, ouviram expressões como "relação anormal e ostensiva", "desavergonhada aberração", "comportamento doentio", "psicologia deformada", sempre assinadas por Um Atento Guardião da Moral. Saul baixou os olhos desmaiados, mas Raul colocou-se em pé. Parecia muito alto quando, com uma das mãos apoiadas no ombro do amigo e a outra erguendo-se atrevida no ar, conseguiu ainda dizer a palavra nunca, antes que o chefe, entre coisas como a-reputação-de-nossa-firma, declarasse frio: os senhores estão despedidos.

Esvaziaram lentamente cada um a sua gaveta, a sala deserta na hora do almoço, sem se olharem nos olhos. O sol de verão escaldava o tampo de metal das mesas. Raul guardou no grande envelope pardo um par de olhos enormes, sem íris nem pupilas, presente de Saul, que guardou no seu grande envelope pardo, com algumas manchas de café, a letra de Tú Me Acostumbraste, escrita à mão por Raul numa tarde qualquer de agosto. Desceram juntos pelo elevador, em silêncio.

Mas quando saíram pela porta daquele prédio grande e antigo, parecido com uma clínica ou uma penitenciária, vistos de cima pelos colegas todos postos na janela, a camisa branca de um, a azul do outro, estavam ainda mais altos e mais altivos. Demoraram alguns minutos na frente do edifício. Depois apanharam o mesmo táxi, Raul abrindo a porta para que Saul entrasse. Ai-ai, alguém gritou da janela. Mas eles não ouviram. O táxi já tinha dobrado a esquina.

Pelas tardes poeirentas daquele resto de janeiro, quando o sol parecia a gema de um enorme ovo frito no azul sem nuvens no céu, ninguém mais conseguiu trabalhar em paz na repartição. Quase todos ali dentro tinham a nítida sensação de que seriam infelizes para sempre. E foram.

20.5.10

Pequenas verdades

Quantas vezes disse sim àquela segunda fatia de torta doce demais.
Perdi a conta das balançadas de cabeça que dei, como quem diz sim, àquelas conversas indigestas.
E os não, não, não tem problema, não; interminavelmente pronunciados.
Inúmeros nós cegos na garganta, quanta dor no peito pulsante, copos de lágrimas que encharcaram a manga da camisa por um não que não foi dado ou por um sim mascarado.
A revolução das pequenas verdades ainda esta longe de acontecer. Por mais que queira não me vejo com um placa pendurado ao pescoço dizendo:
Não empresto minhas roupas!
Sim, estou em casa, mas não quero que você me visite!
Não, realmente, não ficou bom assim ou desse jeito!
Eu quero ir por aqui!
O que me conforta é que estou sempre brincado de Vai, Jé. Fala a verdade!
Festa de Natal com toda a família, reuniões da empresa, fila de banco, primeiro encontro e, claro, após todos os momentos que troco o verdadeiro valor do sim e do não; o Jé entra em ação e fala tudo, tudo mesmo.
Até quando vou seguir brincando? Até o dia  em que o Jé resolver sai do imaginário e partir pro real.
Enquanto isso brinco. Afinal, o que é mais uma fatia de torta?

29.4.10

Colher de chá


-Não, não, não!
- Eu entro de qualquer jeito, suas tentativas de bloquear a porta são infundadas.
- Mas eu estava numa boa sem você. O que te deu para aparecer assim, de repente, mais uma vez, de novo?
- Você sabe essa resposta.
- É, pode ser que eu saiba, mas, realmente, não entendo porque vira e mexe estamos juntos. Não gosto de você e desses seus trejeitos espaçosos, sórdidos, mesquinhos; que faz tudo parecer pardo cheirando a lama. Pelo tempo, até já poderia ter me acostumado a conviver contigo, no entanto, não te quero por perto.
- Engraçado esse seu discurso pseudo-neurolinguístico. Você é tão ridículo as vezes! Insisto, você sabe porque dei as caras outra vez por aqui. Meu lema é: me chama que eu vou!
- Mas até ontem estava tudo jóia, cantarolei umas ou duas canções, fumei pouco, bebi quase nada, levantei as sobrancelhas ao cruzar com o vizinho e, de repente, você me aparece com esse seu sorriso meia boca fechada. Levanta do meu sofá! Desesparrame-se! Pare de brincar com o zíper da almofada! Vá! O que preciso fazer para que você me deixe? Vamos, me diz?
- Eu nunca te deixarei, a atitude deve partir de você. Sabe que a vida desse lado, digo, do meu lado é mais cômodo, até diria: espontâneo e acessível. Já, na contramão, o trabalho é árduo, diário, exaustivo e efêmero. Viver feliz dá trabalho. E vocês estão constantemente sendo empurrados pelas pedras que os ajudaram a subir. Pare de fazer essa cara de atônito. Tenho pra mim que logo dominarei os espaços, as entranhas e tudo mais. Eu sei que ontem você acordou bem, sem mim, fez o que queria e sonhava, relutou em ir pra cama cedo tentando prolongar  o dia denominado feliz.Tolice! Você acordou hoje e aqui estamos, mais uma vez e juntos.
Tristeza, sai da minha casa, da minha vida e não volte nunca mais. Vai, sai!
- Eu vou. Mas me manterei de prontidão. Na primeira lágrima caída eu volto. Afinal, nossa relação é inevitável. Não deveria mais vou ter dar um conselho: aprenda a lidar comigo, me chame pra conversa, descubra mais sobre mim. Quem sabe a gente se entende e eu te dou uma colher de chá?

20.4.10

Perdidos


Eu poderia estar ocupado.
O dia poderia ter amanhecido nublado,
ou a bateria do meu celular acabado.

Eu poderia ter me atrasado.
Quem sabe o pneu do carro furado?
Ou melhor: o tráfego poderia estar interditado!

O sorriso na chegada não precisava ter sido tão demorado.
E o papo, por que foi tão desenrolado?
Ah! O garçom poderia ter demorado.

A borda da pizza poderia ter vindo com gosto de queimado,
o cigarro poderia ter molhado,
ou a conta ter dado caro.

O guarda poderia ter nos parado.
Um carro nos atropelados,
ou a chuva nos afogados.

Para um primeiro encontro algo teria que ter dado errado, mas não:
O beijo foi mentolado.
O abraço demorado.
E voltei pra casa com o coração extasiado.

Será que estou apaixonado?

15.4.10

Associação do Foda-se!


Há muito esperava por isso. Acostumado a me flagelar, rir de mim e da vida que se apresenta a minha frente, tem sido uma alegria só.
No sei você, mais tenho aqui dentro um Centro Regulador de Felicidade. Esse órgão anda controlando parte das minhas emoções. É mais ou menos assim: acordei tarde no meu único dia de folga deixando de aproveitar a tal vida e apenas dormindo, o Centro entra em ação e ativa a culpa. Fui a um jantar e papo vem papo vai e disse a um descendente de alemão que o Memorial do Holocausto, em Berlim, é super legal; rapidinho vem o Centro com luzes piscando me chamando de idiota! Encontrei meu chefe vestindo calça de moletom e de boné na cabeça no caminho do supermercado e em pleno domingo a tarde, o Centro, desaforado, envia a vergonha.
Com algum esforço tenho conseguido construir bem do ladinho do Centro a Associação do Foda-se! Dormi o dia todo: foda-se! Descansei. Conjuguei um verbo errado, não sei qual é capital da Finlândia, estou com mais de trinta e ainda não casei, usei uma roupa horrível no meu aniversário passado, fui tentar beijar e levei um fora, passei perfume demais, não tenho nenhum sexo casual, quase cai de cara no chão naquela rua movimentada, fingi que estava falando ao celular pra não ter que cumprimentar aquele conhecido chato, fiquei em casa sábado à noite, como cachorro-quente e me lambuzo todo : ativo o Foda-se e rio de mim, da vida e do meu chefe; que, assim como eu, esta ferrado de tempo, louco pra dormir o dia todo, mas tem que ir ao supermercado em pleno domingo a tarde. Dois fodidos. Esta rindo, é? Foda-se!



29.3.10

Mesa pra três

Maldita confiança onde você esta?
Sabes que não sirvo para regar dias e noites um gostar platônico. Volta!
Deixei de ser egoísta e de me guardar pro imaginável. Cadê as palavras? Se formem em minha boca e me ajudem a dizer:
Queria-te ao meu lado, por cima, debaixo; juntos. Anseio por bater minha perna na tua, te acordar sem querer, te dar um beijo e te puxar pra mim. Aceito-te assim, como és. Mesmo não sabendo muito, arrisco. Nem em bingo ganhei, mas quando joguei a moeda deu Cara. Confiei!
Quando te encontro percebo que o orgulho se esconde. As risadas trocadas encobertam a ansiedade em te abraçar. O tempo nem tem mudado tanto, então...
Não aguento mais tentar forjar encontros e te procurar na internet. Tentei deixar uma carta anônima no seu caminho e até em te seguir já cogitei.
Basta ! Aceito trocar amenidades por realidades. Encontrar-te vez que outra me fez indagar o destino e ele falou que o que é meu está guardado. Vai, tira a chave do bolso. Quero te cantar I´m Yours. Sim, cobiço ser seu.
Maldita confiança onde você esta? Isso é hora de me deixar? Volta! Prometo que peço uma mesa pra três e te deixo escolher o cardápio. Volta, vai!

23.3.10

Tic tac, tic tac, tic tac



Ontem arranquei meu coração. Coloquei no lugar um relógio desses de corda. Quero ouvir bem alto o tic tac, tic tac, tic tac e poder girar, girar quando fraquinho ele estiver, até voltar a pulsar e gritar o tic tac aos quatro cantos. Voltas, muitas voltas quero dar com esse novo coração. Nada de tempo perdido, quanto mais perda de tempo. Fiquei na dúvida se contratava um cuco, mas pensei: e se ele for daqueles intrometidos? Melhor não!
Posso escutá-lo nesse momento e sei que daqui a pouco o ponteiro grande estará no nove e o pequeno no três. Nada de armadilhas e infartos. Quando a saudade vier vou lá e adianto uma ou duas horinhas. Se o sono não aparecer volto quantos trinta minutos forem necessários.
Com o coração antigo deixei uma paixão secreta. Sim, ele me traiu, pegando-me de sobressalto. Quando vi, estava com ele quase saindo pela boca, foi a gota d´agua. Como assim? Ousado e auto-suficiente se achou no direito de me pregar essa peça. Agora esta lá, dentro de uma caixa, atrás das cobertas, no fundo do guarda-roupas. Tornei-me meu cardiologista.
Já me prometi: todas as noites colocarei ele pra carregar, assim aproveitarei o dia todo ao som do tic tac, tic tac! Hum... será que terei sonhos com esse novo coração? Será que ele me fará ouvir a mesma música cinquenta e duas vezes? Melhor dar mais corda, acho que ele esta parando. Nem prestei atenção no tempo da garantia. Tomara que ele não estrague tão cedo. Estou confiante. Tic tac, tic tac, tic tac!

15.3.10

O encontro



“Oi amigo! Tudo bem? Tenho saudade. Sabe, tenho mudado muito nos últimos tempos. Não sou mais a mesma. Mudei muito, mas pra melhor, viu? Só estou um pouco assustada, queria que estivesse aqui para segurar minha mão. Manda notícias, amo-te! Vê”

Vez que outra, Juliano, era agraciado com as mensagens virtuais da Verônica. Amigos de colocarem chicletes no congelador pra continuar mascando depois da janta, se entendiam. Dividiam sonhos, aspirações, suspiros, naufrágios e até uns beijos trocaram; mas não passaram disso, optarem por várias noites ao invés de uma. Desataram as mãos numa dessas vias duplas da vida. Cada um pro seu lado, entretanto: sempre juntos.

Mesmo sem vê-la há um par de meses, Juliano, sabia que Verônica estava fumando, que se envolvera com pessoas certas nas horas erradas, da saída do pai de casa, que a avó estava bem e que a compulsão por tomates secos continuava.
Verônica também sabia que Juliano havia chutado o balde e largado casa, comida e roupa lavada por acreditar numa voz interna e inquieta. Soube também que sua mãe estava com dores nas costas, que ele bebera mais vinho do que antes, nada de casamentos ainda e que o cinema francês fizera sua cabeça.
No entanto, a frase: “não sou mais a mesma” o assustou. Como assim? Como podemos deixar de sermos quem somos?, pensou. Antes de responder a mensagem, parou em frente ao espelho e tentou ver quem estava ali. Viu que ele havia optado por remover algumas coisas, cambiar outras, substituir pensamentos, desviar direções, alargar emoções, dispor-se de outro modo: convertendo-se, variando, transformando-se.

“Oi amiga! Tudo bem? Também tenho saudade. Sabe, tenho mudado muito nos últimos tempos. Deixei de ser quem era, mas não se assuste; acho que foi pra melhor, viu? Pena que você não esta aqui para segurar minha mão. Já que você mudou e eu também, que tal marcarmos um encontro para nos apresentarmos? Manda notícias, amo-te! Ju”

28.2.10

Prato do dia: Surpresa


Faz-me uma surpresa. Chegue outra vez sem avisar. Pegue o jornal e sorria-me pela esquerda. Se quiseres te ajudo com as palavras cruzadas.
Limpei tua mesa com água de cheiro. Queria ter deixado um poema. Contive-me.
Hoje, o prato do dia é Picadinho de Carne com Cenouras, sugestão minha a cozinheira. Pensei que talvez você gostasse.
Faz-me uma surpresa, vai! Chegue pé ante pé e pegue-me lustrando as louças. Meu coração anda precisando de sustos.
Aproveita  e revela-me o que te tira do chão, o que te adoça a boca e diga-me que estas só.
Perguntar se prefere Almodóvar ou Tarantino, praia ou serra, dormir tarde ou acordar cedo; pode ser demasiado evasivo. Mas quero te invadir. Ok! Melhor restringir-me ao: açúcar ou adoçante?
Faz-me uma surpresa, deixe seu nome escrito em um guardanapo sujo de seus vestígios e volte sempre!

22.2.10

A Teoria do Achismo


Martinha se achava a tal. Sabe quando uma pessoa se sente... digamos: o último cachorro- quente após saída de jogo de futebol? Martinha! Ou que ela achava que era.
Sem querer, pelo mesmo é o que parecia, a moça implantara em sua vida o que vou chamar de Teoria do Achismo. Isso mesmo. Martinha passava seus dias achando. Quer ver?

Ela achava de pés juntos que o Sr. Hélio, vizinho de porta, era gay. Ela nunca soubera de nada que o comprometera como orgias, flagras no elevador ou barulhos denunciadores à noite; no entanto, o lenço despretensiosamente colocado no bolso do blazer e o jeito que ele segurava a chave já pronto pra abrir a porta, era a guilhotina pura. No alto do seu achismo, Martinha pensava: esse velho não me engana!

No trabalho, dona Viviam, secretaria do grupo há 27 anos era a da vez. Sim, Martinha, encrencava com aqueles sapatos de verniz salto cinco. Ela achava que dona Viviam nunca tivera tido mais que dois homens na vida. E se teve orgasmo alguma vez, fingiu. Além disso, achava que ela deveria viver entre gatos e chá de capim-santo: solteirona. Sem falar que Martinha achava o fim, dona Viviam, sequer parar para um cigarrinho e falar mal dos chefes. Mesmo sem nunca ter ouvido uma história sequer da boca da vitalícia funcionária, Martinha, achava que certas coisas nem precisavam ser ditas.

O caso com Henrique não durou mais que dois meses. Martinha sempre achou que o rapaz a traia com a Michele, ainda que os dois nunca tivessem se encontrado. Ela dizia que isso era sexto sentido. Michele era a sobrinha do Sr Cido, dono da padaria do bairro. Martinha, sempre que via a moça no caixa achava que ela sim combinava com Henrique. Daí pro sexto sentido era um pulo. Nadando em duvida, achou melhor largar.

Tenho pra mim que Martinha era a maior vítima do seu veneno, pois mesmo malhando todos os dias ela se achava gorda. Gastava mais que ganhava, afinal, pagava sempre a primeira e, as vezes, a segunda e a terceira rodada já que se achava sem graça sã. Nos primeiros encontros sempre colocava a moeda de um dólar no sutiã: achava que dava sorte. Evitava McDonald´s por achar que as carnes eram feitas de minhocas. Achava que a Aline tinha pais perfeitos e que a Manuela sim era feliz. Achava-se triste, frívola, agridoce. As vezes se achava mais bonita no lado direito. No fundo Martinha estava perdida, tentando se achar.

15.2.10

Enquanto o amor não vem

Enquanto o amor não vem
Continuo confiando nas cartas do tarô,
Desenhos corações flechados no espelho vaporizado do banheiro,
Contemplo o céu antes de dormir a espera de uma estrela cadente.

Enquanto o amor não vem
Fico sem saber se peço mesa pra um ou dois,
Leio rótulos de cerveja,
Acordo do lado de lá da cama.

Enquanto o amor não vem
Evito andar de roda-gigante,
Passo dias de pijamas
Compro cravos ao invés de rosas.

Enquanto o amor não vem
Tenho certeza que o Se morreu de Quase,
Arrumo o cabelo antes de dobrar a esquina,
Brinco de dardo.

Enquanto o amor não vem
Deixo-me solto como crianças arteiras em uma rua sem saída,
Troco seis por meia dúzia,
E sigo beijando de olhos abertos.

7.2.10

Cheiro de Pessoa

Rosa era sapateira desde pequena e mesmo nunca tendo frequentado escolas, adorava ler os escritos de um tal de Fernando Pessoa. Ela não sabia quem era aquele que descrevia a angustia existencial que ela sabia sentir como ninguém. Mas todos os dias depois de baixar as portas, cheirava um pedaço de couro embebido em cola, lia e ali existia. Morreu aos 47 anos com overdose de sabedoria.
Sr Pedro, freguês assíduo da sapataria, acordou num dia de Sol e resolveu colocar seus sapatos para tomar ar puro. Quando retirou as palmilhas, viu que dentro de cada um deles existiam papéis colados com escritos de Fernando Pessoa. Sr Pedro nunca se perdôo por ter esquecido, em um lugar qualquer, sua coleção de livros do poeta. Sentado debaixo de um pé de manga bourbon, o velho folheou seus sapatos:

Se sou alegre ou sou triste?...
Francamente, não sei.
A tristeza em que consiste?
Da alegria o que farei?

Não sou alegre nem triste.
Verdade não sei que sou.
Sou qualquer alma que existe
E sinto o que Deus fadou.

Afinal, alegre ou triste?
Pensar nunca tem bom fim...
Minha tristeza consiste
Em não saber bem de mim...
Mas a alegria é assim...
19-8-1930

Quero ser livre insincero
Sem crenças, dever ou posto
Prisões, nem de amor as quero.
Não me ame, porque não gosto.
26-8-1930

O vento tem variedade
Nas formas de parecer.
Se vens dizer-me a verdade,
Porque é que ma vens dizer?
Verdades, quem é que as quer?
8-3-1931

Quando é que o cativeiro
Acabará em mim,
E, próprio dianteiro,
Avançarei enfim?

Quando é que me desato
Dos laços que me dei?
Quando serei um facto?
Quando é que me serei?

Quando, ao virar da esquina
De qualquer dia meu,
Me acharei alma digna
Da alma que Deus me deu?

Quando é que será quando?
Não sei. E ate então
Viverei perguntando:
Perguntarei em vão.
13-3-1931

Vão breves passando
Os dias que tenho.
Depois de passarem
Já não os apanho.

De aqui a tão pouco
Ainda acabou.
Vou ser um cadáver
Por quem se rezou.

E entre esse dia
Farei o que fiz:
Ser qual quero ser,
Feliz ou infeliz.
28-3-1931

Sou um evadido.
Logo que nasci
Fecharam-me em mim,
Ah, mas eu fugi.

Se a gente se cansa
Do mesmo lugar
Do mesmo ser
Por que não se cansar?

Minha alma procura-me
Mas eu ando a monte,
Oxalá que ela
Nunca me encontre.

Ser um é cadeia.
Ser eu é não ser.
Viverei fingindo
Mas vivo a valer.
5-4-1931

Se estou só, quero não estar
Se não estou, quero estar só,
Enfim, quero sempre estar
Da maneira que não estou.

Ser feliz é ser aquele.
E aquele não é feliz,
Porque pensa dentro dele
E não dentro do que quis.

A gente faz o que quer
Daquilo que não é nada,
Mas falha se não o fizer,
Fica perdido na estrada.
2-7-1931

Textos extraídos  do livro Poesia - II 1930-1933, do poeta português Fernado Pessoa.
Homenageado especial do Poesia no Clube.


31.1.10

Vinho Branco


- Tranque a porta. E lacre-se também. Expire esse ar carregado de dúvidas quando aqui não mais estiver, por favor!
- É claro que pode tirar os sapatos, sempre ficou à vontade.
- Pois é, mandei arrumar o abajur e as toalhas são novas, sim. Aquelas estavam ásperas demais.
- Traquinagem essa vontade de tentar cruzar seus olhos com os meus. Melhor parar.
- Aceito, sim, mas por que trouxera vinho branco? Deixa pra lá.
- Os vizinhos devem estar ouvindo as paredes gargalhando do nosso silêncio.
- Pode fumar na janela.
- É joguei o cinzeiro fora.
- Não, prefiro não fumar hoje.
- Aceito mais vinho, sim.
- O trabalho segue como Deus manda. Semana que vem temos auditoria. Correria total pra arrumar tudo em tempo.
- Opa! Legal, sabe que torço por você. Quando der certo me manda uma mensagem.
- Tenho acordado tarde aos domingos, quero ver se semana que vem consigo ir. Sua mãe, pelo jeito segue na mesma freqüência: missa, missa, missa.
- Se tomaria outra garrafa de vinho, branco? Por quê não?
- Quando é que você vai parar de me perguntar se te amo? Já pensou que talvez o amor seja muito pra nós? Que tal vivermos o te gosto!?
- Cala essa boca discursiva e me beija. Coloca essa língua banhada de vinho branco dentro de mim.
- Não fala mais nada! Apague as luzes e ascende o abajur.
- Hoje, seu nome é formalidade: "Se pode dormir aqui?". Sabe que adoro adormecer ao seu lado, além disso, quando estas dormindo, tem um jeito de me puxar pra junto de ti que faz com que me sinta comendo bolinhos de chuva enquanto assisto a filme velho na televisão. Te gosto!
- Para de me olhar com esse olhar mendigo e vá pro banho. As toalhas novas são ótimas.
- Se pode voltar hoje à noite?...
- Melhor não. Nem gosto tanto de vinho branco assim.

27.1.10

O mal de Sabrina


Na vizinhança Sabrina era conhecida como a menina de sorte. Daquelas que se reclamasse da vida estaria pecando. Desde a primeira comunhão era assim: boa aluna, ótima estagiária, excelente filha. No entanto, de uns tempos pra cá a moça chorava sem parar.
Os motivos ela jurava de pés juntos não saber. Apenas dizia haver dentro dela um sentimento que a incitava a não querer mais acordar.
Os pais atônitos tentaram médico, água benta, cartomante, viagem de navio; entretanto, nada foi capaz de motivar Sabrina a deixar a maldita cama.
27 dias e os comentários não puderam ser evitados, pois ninguém entendia porque uma moçoila bem criada, com um bom emprego, estudada, bonita e cheia de saúde cairá de cama.
Arriscaram olho gordo, gravidez, solitária, água no joelho e até encosto. As tias de longe vieram para fazer simpatia. A amiga da família lá do norte mandou uma garrafada. A avó fez novena para Santa Rita e nada.
38 dias e o pai de Sabrina já não mais duvidava de cirurgias espirituais. No trabalho os clientes perguntavam pelo repentino desaparecimento. Os casinho de final de semana começaram a ligar e a mãe, coitada; pelos cantos, chorava desconsolada.
54 dias e nem sinal de melhora. A linguaruda da Lucia, da casa amarela, sugeriu que os pais já fossem procurando uma funerária e deixassem tudo prontinho para evitar correria.
Faltando um dia para completar 73 de cama, Sabrina, acordou, se maquiou, vestiu o uniforme, abriu as cortinas, fitou a cama por quase duas músicas, deu um sorriso espaçoso e foi tomar café da manhã.
Pasmados a família não sabia se continuava a chorar ou se sorria. A mãe correu pra cozinha, pegou mais geléia de morango, torrou pães, fez um mingau de chocolate e mal notou que a filha já estava de saída.
O pai abobado, gritando, conseguiu pega-la ainda na porta e ofegante indagou:
- O que aconteceu, minha filha?
Com o mesmo sorriso espaçoso Sabrina respondeu:
- Cansei de boicotar minha felicidade.


17.1.10

As chuvas

5, 4, 3, 2, 1... Feliz ano novo!
Chove.
Mas já é ano novo.
Não me sinto mais feliz.
O pai e a filha da casa ao lado ainda brigam durante os jantares.
Meu remédio não baixou o preço.
Nem um quilo a menos.
Nem um amigo a mais.
Chove.
Quando será que vem a promoção?
Poderia já comprar roupas de chefe.
Sinto-me enfermo.
Falta de alegria.
Até tenho esperança.
E se ela acabar antes do meio do ano?
Melhor parar de ler o horóscopo.
Chove.
O encanador não veio.
Manchei uma camisa.
A aula de dança não tinha mais vaga.
Quem sabe natação?
Hoje, fumei menos.
Ontem chorei mais.
Talvez seja a chuva.

11.1.10

Quando é tarde?



Cala-te! Não te dê essa feitura. Engula cada mistura de consoantes e vogais. Engana-te se achas que corresponderei. Ficaste na última estação. Já quis dizer-te tanto e nem por isso pensei em colocar nossas iniciais em toalhas felpudas. Não me fite demoradamente, tão pouco, conte-me que o preço da broa de coco esta pela hora da morte.
Cala-te! Não vê que deixei o leite no fogo? Economize sua colônia de cheiro. Deixe-me! Aproveite que a chuva parou e o Sol renasceu. Tentei doar-me a ti, pulei muros, contei estrelas, esperei. Dormi!
Cala-te! Não vê que estou de preto? Respeite-me. Por ti encharquei fronhas de gorgorão adornadas com fitas de cetim, pintei paredes de verde e, até, comunguei aos domingos.
Cala-te! E não me venha com seu amor tardio.

7.1.10

Jogo da Verdade


O Clube do Bem promoveu, na primeira semana do ano novo, um Jogo da Verdade com objetivo de  fomentar os valores da associação, bem como, reforçar que o único caminho para se chegar além é sendo aquilo que se é.
Participaram da mesa os sócios: Ludmila Ávila Conceição, Joana D´arc Pereira, Laura Fernanda de Almeida e Costa, Danilo (como o sócio pediu para ser identificado), J.P. e Tiago de Passofundo.
Foram lançadas três baterias de perguntas e repostas. Na primeira, os homens perguntaram para as mulheres; na segunda as mulheres para os homens e na terceira e última o Clube do Bem perguntou para os jogadores. A ordem de quem perguntou para quem foi definida no par ou ímpar e a única regra da brincadeira era dizer a verdade; sendo que dentro dela poderia ser encontrado a parcialidade, a insanidade e, até mesmo, a mentira.

Primeira rodada

Tiago pergunta para Laura:
Você cospe ou engole?
Laura: Já engoli muito, hoje, cuspo na cara.
Joana pediu a palavra: “Eu só não engulo como faço gargarejo. Adoooooro!”

J.P. pergunta para Joana:
Se te oferecessem um milhão de dólares para nunca mais assistir a programas na televisão você aceitaria?
Joana: De jeito nenhum! Dinheiro no mundo compra o prazer que tenho de viver a vida dos outros.

Danilo pergunta para Ludmila:
O que te dá mais prazer: retirar aquele fiapo de carne do dente, desatolar a calcinha da bunda, peidar antes cagar ou limpar o ouvido e cheirar a cera?
Ludmila: Com certeza absoluta desatolar a calcinha da bunda. Ainda mais quando parece estar cortando. Meu Deus é um alívio!
Joana pediu a palavra: “desatolar é bem bom mesmo, mas adooooro colocar as cascas que retiro do nariz debaixo de superfícies sólidas como mesa, cadeira e sofá. E o melhor de tudo é quando se tenta tirá-las do dedo e elas insistem em ficar, adoooooro aquela brincadeirinha.”

Segunda rodada

Joana pergunta para Tiago:
Se você pudesse aumentaria seu pau?
Tiago: Com certeza! E deixaria com uns 23,5cm pra 25cm e grosso. Ainda por cima andaria só sem cueca, pra ver o balanço. A única vantagem (se é que se pode chamar de vantagem) de ter pau pequeno é que se ativa a criatividade e o poder da língua e dos dedos, no mais, é dar duas os três balançadas antes de colocar o bendito pra fora e já era!

Ludmila pergunta para J.P. :
Você fez troca-troca quando pequeno?
J.P.: Fiz sim, com dois ou três vizinhos.
Ludmila: Dois ou três?
J.P.:Três. Mas era só brincadeira de encostar. Mais aí um dia o negócio foi pra dentro e P-U-T-A Q-U-E- P-A-R-I-U! Que sensação mais boa! Ali peguei gosto por comer cú. Sou casado há oito anos, mas todas as terças e quintas depois da novela saio a procura de merda. Fiquei realmente feliz em saber que esse cheiro me excita e me faz feliz.
Joana pede a palavra: “ E por que você não come o cú da sua mulher?”
J.P.: Porque ela não come carne e a merda dela não fede.

Laura pergunta para Danilo:
Se colocassem uma câmara no seu banheiro e deixassem tempo suficiente para que você esquecesse que ela existe, o que veríamos?
Danilo: Que a primeira parte do corpo que lavo é o sovaco esquerdo. Veriam que as vezes não lavo os pés. Que penteio meu bigode com a escova de dente da minha mulher. Que durante o banho da manhã bato punheta olhando, pela janela, as meninas do colégio vizinho fazerem aula de Educação Física. Que uso o mesmo pedaço de papel higiênico duas ou três vezes. Que tem dias que as lágrimas se juntam as águas do chuveiro. Que vez ou outra  imito a Amy Winehouse em frente ao espelho. Que trepo com minha mulher na pia e debaixo do chuveiro. Acho que é isso, afinal, banheiro é sempre uma surpresa!

Terceira rodada

Clube do Bem pergunta para todos 1:
Se Jesus, realmente, voltasse à terra como muitos pregam por aí; onde vocês o levariam?
Ludmila: Na rua 25 de março em São Paulo, em pleno dia 22 de dezembro, perto da hora do almoço e com chuva.
Joana: Em uma festa de swing com solteiro liberados e open bar.
Laura: Na casa da minha avó para comermos cuca de banana feito por ela.
Danilo: Tentaria escrevê-lo no Big Brother Brasil e depois seria seu empresário.
J.P.: Na sala dos milagres na Basílica de Nossa Senhora da Aparecida, só pra ver como ele faria pra dar conta de atender tudo aquilo e ainda levar todas aquelas oferendas pra casa.
Tiago: Em uma churrascaria com sistema de rodízio e convidaria pra mesa o Silvio Santos, o Edir Macedo, a Bispa Sonia Hernandes, a Monja Coen, o Padre Marcelo Rossi e a Gretchen.

Clube do Bem pergunta para todos 2:
Duas coisas na qual vocês não vivem sem?
J.P.: Trabalho e amendoim
Joana: Roupas verde e sexo oral
Laura: Poesia e enxaguante bucal
Danilo: Excel e chocolate
Tiago: Trânsito e relógio
Ludmila: Amor e vontades

Clube do Bem pergunta para todos 3:
Eu prometo para esse ano novo...
Joana: Eu prometo passar fio dental todos os dias.
Tiago: Eu prometo parar de cheirar antes de comer.
Danilo: Eu prometo nunca esquecer de olhar se há um câmara escondida no meu baanheiro.
Laura: Eu prometo pular amarelinha aos sábados.
Ludmila: Eu prometo aceitar o sexo pelo sexo.
J.P.: Eu prometo seguir o lema do Clube e tentar ser quem eu realmente sou e que se foda os outros!