23.3.10

Tic tac, tic tac, tic tac



Ontem arranquei meu coração. Coloquei no lugar um relógio desses de corda. Quero ouvir bem alto o tic tac, tic tac, tic tac e poder girar, girar quando fraquinho ele estiver, até voltar a pulsar e gritar o tic tac aos quatro cantos. Voltas, muitas voltas quero dar com esse novo coração. Nada de tempo perdido, quanto mais perda de tempo. Fiquei na dúvida se contratava um cuco, mas pensei: e se ele for daqueles intrometidos? Melhor não!
Posso escutá-lo nesse momento e sei que daqui a pouco o ponteiro grande estará no nove e o pequeno no três. Nada de armadilhas e infartos. Quando a saudade vier vou lá e adianto uma ou duas horinhas. Se o sono não aparecer volto quantos trinta minutos forem necessários.
Com o coração antigo deixei uma paixão secreta. Sim, ele me traiu, pegando-me de sobressalto. Quando vi, estava com ele quase saindo pela boca, foi a gota d´agua. Como assim? Ousado e auto-suficiente se achou no direito de me pregar essa peça. Agora esta lá, dentro de uma caixa, atrás das cobertas, no fundo do guarda-roupas. Tornei-me meu cardiologista.
Já me prometi: todas as noites colocarei ele pra carregar, assim aproveitarei o dia todo ao som do tic tac, tic tac! Hum... será que terei sonhos com esse novo coração? Será que ele me fará ouvir a mesma música cinquenta e duas vezes? Melhor dar mais corda, acho que ele esta parando. Nem prestei atenção no tempo da garantia. Tomara que ele não estrague tão cedo. Estou confiante. Tic tac, tic tac, tic tac!